O ESTADO DE S.
PAULO
Terça feira,08
de maio de 2012
Trabalho - e a dimensão
econômica?
José Pastore
Poucos discordam de que o trabalho tem uma
dimensão social e outra econômica. No campo social, o trabalho enobrece e
promove a dignidade humana. No campo econômico, gera renda e tem um custo. No
Brasil, a dimensão econômica tende a ser ignorada pelos poderes públicos. Tentei
saber do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) quanto custa gerar um posto de
trabalho em
nosso país. Acharam a
pergunta estranha e não me deram resposta.
Mas, para encarecer o custo do trabalho, o
MTE é rápido. Recentemente, do dia para a noite, sem discutir o assunto com
empregados e empregadores, a Portaria n.º 1.510/2009 impôs às empresas com mais
de dez empregados o uso de um aparelho (Registrador Eletrônico do Ponto - REP)
que custará cerca de R$ 5 bilhões ao setor produtivo! Por que encarecer o custo
do trabalho dessa maneira, se o próprio MTE não autuou uma só empresa por fraude
nesse campo em 2011? Falta naquele ministério quem avalie as consequências
econômicas de suas decisões.
A mesma insensibilidade domina o Congresso
Nacional. Os projetos de lei costumam ser examinados pela Comissão de Assuntos
Sociais, no Senado Federal, e pela Comissão do Trabalho, na Câmara dos
Deputados, sem a necessária avaliação das comissões econômicas. É dessa forma
que se criam novas licenças remuneradas, novos adicionais, novas estabilidades,
novos pisos salariais e que se busca reduzir a jornada de trabalho sem reduzir o
salário. Se todas as propostas de licenças e adicionais forem aprovados, a
jornada de trabalho tenderá a zero e as despesas, ao infinito. Num levantamento
rápido e incompleto, verifiquei que 85% dos projetos de lei que encarecem o
custo do trabalho (e que estão prestes a ser aprovados) não foram examinados
pelas comissões econômicas, como se os recursos para pagar os benefícios caíssem
do céu.
No Poder Judiciário, o desprezo pelas
consequências econômicas das sentenças é gritante. Lembro o caso do adicional de
10% na indenização de dispensa sem justa causa. Tudo começou com uma decisão do
Supremo Tribunal Federal no ano 2000, depois sacramentada pela Lei Complementar
n.º 110 de 2001. Uma empresa que gastava, por exemplo, R$ 400 mil por ano com
indenizações - e isso é comum - passou a gastar R$ 500 mil. A decisão e a lei
tiveram efeito retroativo.
Vejam o caso do aviso prévio. Com o advento
da Lei n.º 12.506 de 2011, as empresas "passaram a dever" três dias a mais por
ano trabalhado aos seus empregados - também de efeito
retroativo.
Nos dois casos, os parlamentares deixaram de
atentar para o fato de que as empresas não estavam preparadas para arcar com
aquelas despesas porque, obviamente, não fizeram parte do custo de produção e da
venda praticados no passado. Como aportar no presente o que não foi ganho no
passado? Se as empresas buscarem recuperar essas diferenças elevando os preços
do que produzem - nem sempre possível -, elas agravarão a inflação. Se tirarem
dos seus lucros, diminuirão os investimentos futuros e a geração de empregos.
Essas são as consequências de dar as costas para os custos do trabalho e de
tributar o passado. Mas no Brasil é assim: nem o passado é
previsível.
O desprezo à dimensão econômica do trabalho
está custando caríssimo para os países do sul da Europa. Lá, os poderes públicos
fizeram no passado o que os poderes públicos estão fazendo no Brasil do
presente, ou seja, forçaram as empresas e os governos a contratar despesas e
mais despesas - sem apelação. Com déficits monumentais, a insolvência bateu à
porta e passou a exigir reformas dolorosas e com poucas chances de
sucesso.
No Brasil os ventos ainda são favoráveis e
nos dão a rara oportunidade de evitarmos o parto sem dor, desde que se considere
seriamente o lado econômico de cada benesse social. É questão de substituir o
populismo pelo realismo.
José Pastore é professor da FEA-USP, membro da Academia
Paulista de Letras e Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da
Fecomércio de São Paulo. www.josepastore.com.br